
Quem for ao Larinho e percorrer as suas ruas, depara-se com uma casa de grandes dimensões, no Largo Dr. Ramiro Salgado, conhecida pelos seus habitantes como Casa Grande, ou Casa do Dr. Ramiro Salgado.
Escrever sobre esta Casa, que tem cerca de 180 anos, é falar de quem a fundou, Joaquim Inácio Cordeiro, um negociante de grande sucesso e natural desta localidade, mas também de quem lá viveu e das várias gerações de trabalhadores que por lá passaram e contribuíram para o seu crescimento e prosperidade. A todos prestamos a nossa sincera e grata homenagem.
Joaquim Inácio enquanto armazenista, fornecia também as lojas das freguesias do concelho de Moncorvo. Os principais produtos comerciados eram peles, couros, mas também outros artigos, como ferragens, mercearia, e muitos outros, que vinham do Porto, por barco, através do rio Douro. Com o resultado do negócio adquiriu inúmeras propriedades agrícolas, tornando-se um dos maiores proprietários do concelho de Moncorvo.
Por esta Casa passaram quatro gerações: a do fundador, Joaquim Inácio; a do seu filho José Joaquim; a das netas Luísa e Constança; e por fim, a da bisneta Maria da Conceição. Seria com o casamento da sua bisneta Maria da Conceição Cordeiro com Ramiro Xavier Salgado, que viria a tomar um novo impulso.
Ramiro, além da sua profissão como professor e diretor do Colégio Campos Monteiro, em Moncorvo, dinamizou a atividade agrícola e renovou os lagares de azeite e vinho, contribuindo para a prosperidade da Casa. A vasta descendência de Maria da Conceição e Ramiro, experienciou neste espaço vivências únicas, que iam do contacto com a natureza e atividades agrícolas, às quais se ligavam a transformação do vinho e do azeite, nos lagares da casa- também estes disponíveis a todos os habitantes de Larinho, a muitas outras complementares, para além de assistirem ou participarem nos costumes e tradições.
Atualmente reabilitada, a Casa Dr. Ramiro Salgado respeita os espaços antigos, com toque de modernidade e todo o conforto, conserva os dois lagares de vinho, um deles muito antigo, com prensa de madeira, e um de azeite, mantém vestígios do seu passado por forma a transformá-la num local de aprendizagem para os que a visitam, ou aqui pretendem hospedar-se.
Falar do Dr. Ramiro Salgado é falar de um homem de cultura, de um pedagogo humanista que dedicou uma vida inteira à causa do ensino nas terras distantes e esquecidas do Nordeste Transmontano; que em 1936 deixou uma carreira promissora no Porto para vir instalar-se numa vila de província, onde carências de toda a ordem se faziam sentir, e onde o ensino para alguns jovens se limitava aos bancos da escola primária, para apenas saber ler, escrever e contar. Ramiro Xavier da Fonte Fernandes Salgado nasceu na Açoreira a 20 de junho de 1902. Após conclusão do ensino primário na sua terra natal, prosseguiu os seus estudos nos Colégios de Lamego e Viseu, onde se revelou um aluno com exemplar aproveitamento. Ingressa na Universidade do Porto em 1920, onde frequenta o curso de Ciências Físico-químicas que finaliza em 1928, após ter prestado serviço militar por cerca de vinte meses.
Enquanto estudante universitário revelou-se um aluno brilhante, um jovem atento, entusiasta e interveniente, participando em iniciativas de caráter cultural. Fundou o Jornal Universidade, onde escreveu artigos de caráter científico, literário e de análise social e económica, ao mesmo tempo que participava em tertúlias. Foi membro dos corpos sociais da Associação Académica e do Orfeão Académico do Porto. Estudante ainda, por necessidade, deu explicações, facto que lhe despertaria o gosto pelo ensino.
No ano do seu casamento, em 1926, com Maria da Conceição Cordeiro, natural de Larinho, trabalhava no Observatório da Serra do Pilar, no Porto, que funcionava agregado à Faculdade de Ciências, onde dirigia o departamento de observação astronómica e fazia investigação científica.
A partir de 1927 o percurso profissional de Ramiro Salgado haveria de se definir. O ensino seria a sua opção até ao resto da sua vida.
Em 1928, tornou-se diretor e professor e de um Centro de Explicações e cursos do Ensino Primário Secundário e Liceal no Porto. Neste ano, ainda, fundou o Instituto Académico Lusitano que, além de explicações, lecionava os cursos liceal, comercial e de admissão à Escola Normal e Institutos de engenharia. De 1931 a 1934, foi professor no Colégio dos Carvalhos, onde foi responsável pela instalação de um modelar laboratório de Física e Química. De 1934 a 1936, vemo-lo em Lisboa a lecionar no Colégio O Académico.
Em 1936, deslocou-se ao Larinho, onde se encontrava temporariamente a sua mulher. É então que tomou a decisão de fundar um Colégio em Moncorvo, a que deu o nome de Colégio Campos Monteiro, em homenagem ao escritor e jornalista Campos Monteiro.
O Colégio Campos Monteiro foi o primeiro estabelecimento de ensino particular no distrito de Bragança, frequentado por rapazes e meninas.
Dotado de mente aberta, o Dr. Ramiro Salgado tinha consciência de que só o ensino abria o caminho para a liberdade, e permitia múltiplas oportunidades. Ele que bem conhecia a rotina ancestral que pautava as gentes da sua terra, e onde o pauperismo imperava a par de uma mentalidade moldada pela tradição e pelo conformismo.
Escreveu Armando Martins Janeira:
Sozinho, sem auxílio de ninguém, teve a larga visão de construir essa grande obra cultural-a obra de caráter privado e de maior alcance no nosso distrito e de mais vasta influência no destino de várias gerações.
E deste povo ignorante e duro, vivendo magramente de um solo pobre, lavrando com o arado até aos altos bravios das serras, onde, de entre pedras, fazia brotar o centeio, havia que fazer um povo moderno e feliz. Era preciso abrir o caminho aos filhos da gente pobre e arrancá-los à herança da enxada dos seus pais e os seus avós.
O “modesto Colégio”, como ele gostava de lhe chamar, “contribuiu para a formação de milhares de jovens e, ao mesmo tempo, para o desenvolvimento da região transmontana” (Dic. de Educadores Portugueses, dir. A. Nóvoa. Edi. ASA, 2003). Ramiro Salgado balanceava a sua vida e a da sua família entre Moncorvo, onde passava a semana dedicada ao Colégio, e o Larinho, onde aos fins de semana cuidava das propriedades agrícolas, herdadas por sua mulher. A sua forma de estar e a relação com a população era de grande simplicidade, procurando auxiliar os que o procuravam, sobretudo os mais necessitados.
As instalações da Casa Grande, designadamente os lagares de vinho e azeite estavam abertos à comunidade.
Espírito inquieto e inconformado, Ramiro Salgado sentia “às vezes uma vontade imensa de fugir e retomar o contacto com centros de maior civilização e cultura, alargando uma atividade que não afrouxou a outras possibilidades e perspetivas”. Mas na “permanência por estas terras esquecidas” foi a cumprir como um desígnio, ao longo de quase quatro décadas e de um modo inquestionavelmente superior, tanto em termos humanos, como científicos, a tarefa “de facilitar a muitos o pão de cada dia” (corresp. part. 1948) In Revista Colégio Campos Monteiro, Número Evocativo da Comemoração do Cinquentenário da Fundação (1936)